Tecnologias têm sido utilizadas nas indústrias e empresas do setor sucroenergético para produzir etanol, açúcar e biodiesel, utilizando de forma consciente os recursos naturais
Fernando Dantas
Um dos maiores desafios da humanidade tem sido aproveitar os recursos naturais de forma sustentável. Não importa o segmento ou a área de atuação, a busca pelo uso consciente de recursos hídricos, de energia, entre outros, é sempre tema de conversas, debates, estudos e pesquisas em todo o mundo. É um assunto recorrente em discussões políticas e em reuniões de empresas que priorizam práticas socioambientais. Isso porque é evidente que investir em práticas corretas e sustentáveis representa ‘investimento’ no futuro do planeta e para garantir que novas gerações possam usufruir dos recursos corretamente e sem restrições.
Mas, infelizmente, algumas empresas e até pessoas ainda insistem em ignorar a importância de preservar os recursos naturais, causando o desperdício de água, poluição de mananciais, desmatamento de vegetações e praticando outras ações consideradas graves. O resultado do descaso com o meio ambiente pode ser revertido em efeitos reais e atuais, como o que tem ocorrido no Estado de São Paulo. O principal sistema que abastece a cidade de São Paulo – Sistema Cantareira – registrou no dia 6 de maio, pela primeira vez, nível de água abaixo dos 10%. Para especialistas, o caso é gravíssimo, já que a região no Sudeste está em um período em que não há previsão de chuva.
A situação no Estado de São Paulo não é um caso isolado. De acordo com o diretor geral do Operador Nacional do Sistema Elétrico (NOS), Hermes Chipp, houve melhora na situação dos reservatórios das usinas hidrelétricas nas regiões Sudeste e Centro-Oeste, que hoje representam 70% da capacidade de geração elétrica do Brasil. Apesar de melhoras, os níveis dos reservatórios de água estão abaixo do esperado para o atual período. Segundo o operador, a nova estimativa para esses reservatórios é que, entre junho e novembro, o nível médio fique em 18% da capacidade máxima.
Quando se trata do uso de água para a produção de energia elétrica (que ainda é a principal fonte para a geração), novamente ressurge o debate sobre a importância de investimentos em fontes alternativas para geração de energia, caso da biomassa, biogás, resíduos de cana-de-açúcar, energia solar, eólica, das marés, etc. De acordo com informações da Organização das Nações Unidas (ONU), os investimentos em energias renováveis tiveram uma queda de 14% em 2013.
Mas em meio a todo esse cenário de alertas e preocupações, felizmente existe o outro lado da moeda, de casos positivos de empresas, entidades e pessoas que se preocupam em manter o uso consciente de recursos naturais e desenvolvem tecnologias, ferramentas e pesquisas para reduzir o consumo de água, energia, alimentos, garantindo ainda a produção sustentável e sem desperdícios. No setor sucroenergético houve avanço nessa postura, com indústrias e usinas adotando práticas – de uso próprio ou de outras empresas – para produzir açúcar, biodiesel ou etanol sem comprometer os recursos naturais.
No caso da água, por exemplo, há uma antecipação vinda do próprio setor em buscar soluções para o melhor uso. A consolidação desta indústria e a consequente formação de grandes grupos produtores trouxe também significativas melhorias na governança corporativa destas empresas. Hoje, há uma visão ainda mais ampla sobre suas atividades, incluindo o impacto dessas empresas nas comunidades em que estão inseridas. Desta forma, o reuso de água está diretamente ligado a esta visão, pois o processo de produção de açúcar, etanol e energia poderia ser autossuficiente em água, se for considerada todas as possibilidades de reuso, incluindo o condensado vegetal e a vinhaça.
Desafios
Normalmente, o consumo de água em uma usina sucroenergética é de aproximadamente um metro cúbico de água para cada tonelada de açúcar processada. Apesar de grande parte da água ser usada em circuito fechado, existe ainda excedente gerado na forma de efluentes como água de lavagem de equipamentos, água de lavagem de cana, flegmaça e vinhaças. Atualmente, a solução mais adotada para estas águas residuárias é a mistura na corrente da vinhaça para utilizar como fertilizante por irrigação nas fazendas. Entretanto, o alto custo da distribuição das vinhaças diluídas e a implantação de uma Lei de Política Nacional de Recursos Hídricos para cobrança do uso da água têm feito com que as usinas busquem alternativas de reutilização.
Uma solução para estes efluentes é o tratamento das Águas Residuárias da Indústria de Açúcar e Etanol e posterior reuso no processo produtivo, diminuindo desta forma parte do consumo de água bruta na usina. Outro ganho é no sentido de que os efluentes tratados poderão também ser descartados em corpos receptores atendendo perfeitamente a legislação vigente, caso a usina faça esta opção.
Segundo o manager na Paques Brasil Sistemas para tratamento de Efluentes, Ltda., Nivaldo Dias Sales, outro desafio é promover também o tratamento da vinhaça e produzir biogás e/ou biometano que é rico em energia. “A vinhaça não necessita ser tratada, já que não é considerada um poluente, e sim um subproduto gerado na indústria sucroalcooleira, portanto o termo ideal seria buscar o melhor aproveitamento da vinhaça. Atualmente, a solução mais inteligente adotada pelas usinas e destilarias para melhor destinação da vinhaça é sua utilização como fertilizante, principalmente como fonte de potássio e água, e também de nitrogênio e fósforo, por meio da irrigação nos canaviais, processo chamado de fertirrigação”, reforça.
Nivaldo informa que a vinhaça também contém elevada concentração de matéria orgânica – 7,5% da energia disponível na cana-de-açúcar pode estar sendo desperdiçada na vinhaça -, que normalmente não é importante para o solo, e pode ser convertida por processos anaeróbios em biogás rico em metano. “É importante ressaltar que, após a remoção dessa matéria orgânica, a vinhaça segue para os canaviais com suas características fertilizantes praticamente inalteradas. Esse biogás pode ser utilizado diretamente para geração de energia elétrica ou, principalmente, após processo de purificação como combustível automotivo (Gás Veicular) em substituição do diesel, gasolina ou etanol ou até mesmo injetado nas linhas das companhias que distribuem gás natural”, acrescenta. Além disso, ele diz que os modernos processos e equipamentos para o tratamento biológico de efluentes e desulfurização do biogás garantem ótimas eficiências, menor custo do investimento aliado a um baixo custo operacional, quando comparado às tecnologias convencionais.
Embora sejam processos dominados pelas tecnologias hoje disponíveis no mercado, o grande desafio é conseguir viabilizar economicamente essas soluções. Mas há uma tendência que tudo esteja mais viável, já que existe a preocupação na utilização racional dos recursos naturais dentro das empresas, com tendência nos últimos anos na redução do consumo de água nos processos produtivos, substituindo ou melhorando os processos e equipamentos no sentido de uma produção mais limpa.
Outra tendência observada é o aproveitamento dos subprodutos gerados nos processos de tratamento biológicos, seja no reuso da água ou utilização do biogás gerado nos processos anaeróbios para geração de energia ou utilização nas caldeiras. “Em algumas indústrias a substituição de parte dos combustíveis utilizados na caldeira pelo biogás gerado pode alcançar até 10% do combustível original. Estes tipos de economias são sempre bem-vindas”, reforça Nivaldo.
Tecnologias disponíveis
Entre as modalidades de tratamento de águas residuárias industriais e vinhaças, o destaque é para o processo misto (anaeróbio + aeróbio). Dessa forma, a etapa anaeróbia corresponde ao principal processo para degradação da matéria orgânica e o processo aeróbio aparece como etapa de polimento final.
Dentro dos equipamentos para tratamento anaeróbio, o Reator Anaeróbio de Recirculação Interna da Paques BV (Reator BIOPAQ®IC) tem se destacado como processo anaeróbio com melhor eficiência, proporcionando vantagens como redução significativa do consumo de energia; redução de geração de lodo excedente; redução de área requerida; produção de biogás para fins energéticos e redução da geração de GEE. De acordo com Nivaldo, o Bioreator BIOPAQ®IC é um reator anaeróbio de leito expandido com alta taxa de aplicação e recirculação interna, utilizado para tratamento de efluentes industriais. Por meio da tecnologia, compostos orgânicos são transformados em biogás por meio de bactérias anaeróbias na ausência de oxigênio. Dessa maneira é possível reduzir os custos de descarte de efluentes e, ao mesmo tempo, produzir energia verde.
Com o desenvolvimento dos bioreatores de Circulação Interna (IC) de alta taxa, a Paques fez um grande avanço no tratamento anaeróbio de efluentes. A circulação interna possibilita excelente mistura da biomassa com o afluente e se autorregula de acordo com a quantidade de DQO aplicada. Assim, é possível trabalhar com grande quantidade de matéria em um reator muito compacto. “Isto possibilita resolver os problemas de pouca área e odor, além de uma pequena estrutura para seu funcionamento, uma vez que a recirculação é automática”, destaca.
Essa tecnologia é utilizada para tratamento de efluentes de destilarias e usinas de açúcar, inclusive para o tratamento de efluentes do processo produtivo de etanol de 2ª geração. As tecnologias estão instaladas e comprovadas em vários países, sendo os principais China, Brasil, EUA, Itália, México e índia, entre outros.
Usina utiliza água da própria cana
Com a proposta de operar sem necessitar captar água de mananciais e até “exportar água” para outras atividades, a Dedini desenvolveu o projeto da Usina Sustentável Dedini (USD). A usina utiliza a água contida na própria cana, reciclando-a para repor as perdas do processo industrial e pode até exportar, aproximadamente, 35% da água. Segundo o vice- presidente de Tecnologia e Desenvolvimento da Dedini, José Luiz Olivério, a empresa possui tecnologias de ponta para fornecer plantas de produção de etanol, açúcar e biodiesel que já incluem os critérios atuais de sustentabilidade. “As barreiras a serem vencidas não são tecnológicas, e sim de políticas governamentais que estimulem novos investimentos em expansão de capacidade”, reforça.
De acordo com ele, existe a consciência de que a utilização dos recursos naturais deve ser efetuada de forma racional e sustentável no longo prazo. “Esta consciência decorre das pressões dos consumidores, das legislações e normas governamentais, e da visão de longo prazo das atividades econômicas.
Indo ao encontro dessa maior conscientização para a sustentabilidade, a Dedini desenvolveu a USD – Usina Sustentável Dedini, que foi concebida atendendo a duas premissas básicas, que são conceito otimização e conceito zero”, informa.
O conceito otimização determina que devam ser aproveitados e utilizados ao máximo os recursos naturais, no caso, a cana. O aproveitamento máximo da cana conduz às máximas produções de açúcar, etanol e bioeletricidade por tonelada de cana, e no duplo uso da área da lavoura, produzindo-se soja na reforma dos canaviais, o que irá possibilitar a produção de biodiesel integrado à usina de cana. Já o conceito zero significa zero resíduos, zero efluentes líquidos, zero odor, zero água de mananciais e mínimas emissões, evitando a contaminação do meio ambiente, eliminando as perdas e transformando-as em produtos, como a bioágua advinda da cana e o BIOFOM-biofertilizante organomineral, produzido a partir dos resíduos, efluentes do processo industrial. Olivério explica, ainda, que no caso específico da água o processo deve evitar perdas, como, por exemplo, executar a limpeza da cana a seco, substituindo a lavagem, bem como recuperando, condensando e reutilizando as perdas de vapor. Outra solução importante citada por ele é a concentração da vinhaça, recuperando-se a água evaporada.
Monitoramento
Nessa vertente de reduzir o uso de recursos naturais e evitar desperdícios, existem empresas especializadas em desenvolver tecnologias e práticas voltadas para o setor sucroenergético. São inovações que, usadas de forma preventiva no processo de produção em usinas de açúcar e etanol, podem evitar possíveis vazamentos e contaminações do condensado com caldo e derivados. A Tecnologia 3D TRASAR™ for Sugar, da Nalco, que está em implantação no mercado brasileiro desde o ano passado, é mais uma vertente da Plataforma 3D TRASAR, um programa que detecta desvios relacionados a processos operacionais e, de forma proativa, determina as soluções certas para proporcionar um desempenho ideal do sistema, garantindo uma operação efetiva, mais sustentável e com máximo rendimento.
Criada para monitorar, via sensor, todos os processos envolvidos na produção de açúcar e, ainda, as eventuais contaminações, a solução é a mais recente resposta para a segurança no funcionamento pleno das caldeiras. Com este sistema há um aumento significativo da produtividade, redução dos custos de produção associados a perdas e contaminações e produção de água limpa, que pode, então, ser transformada em energia elétrica e vendida no mercado livre de energia.
A tecnologia integra equipamentos, interconectividade e suporte técnico dedicado 24 horas por dia, 365 dias por ano. A solução se baseia nos três pilares tradicionais da plataforma 3D TRASAR: Detecção (“Detect”) das condições operacionais dos sistemas a serem tratados, Determinação (“Determine”) das condições ótimas de operação e Entrega (“Deliver”) de resultados por meio de monitoramento constante e emissão de relatórios de desempenho disponíveis online. “A tecnologia é eficaz uma vez que detecta em tempo real quaisquer contaminações oriundas do caldo da cana nos condensados vegetais. Fornece resposta rápida e eficaz contra quaisquer contaminantes em condensados vegetais, prevenindo seu impacto na operação das caldeiras. Com isso, reduz-se o pH e se promove a formação de espuma, forçando o aumento de purga do sistema. O benefício desta solução é o menor consumo de água nos sistemas de geração de vapor e maior disponibilidade de bagaço para cogeração de energia. Além disso, possui melhor velocidade de resposta, maior automação, sofre baixa influência de outros contaminantes que não interferem na operação das caldeiras e possibilita o monitoramento remoto e suporte técnico durante todo o ano”, enfatiza Fernando Bocabello, Gerente de Desenvolvimento de Negócios da Nalco.
De acordo com ele, já são seis usinas operando com a Tecnologia 3D TRASAR for Sugar em todo o mundo, incluindo um grande grupo sucroenergético brasileiro. As empresas que adotaram a tecnologia já estão se beneficiando principalmente da economia em bagaço, disponibilizando-o para cogeração de energia e aumentando, assim, seus ganhos financeiros. A tecnologia pode ser aplicada em qualquer usina que busque reduzir o seu consumo de água, aumentar sua disponibilidade de vapor, ter menor dependência de compra de bagaço e maior venda de bioeletricidade ao mercado.
Exemplo
Usar de forma racional a água no ambiente industrial ou desenvolver programas de educação ambiental para conservação dos recursos hídricos ou do solo são premissas das usinas do grupo Jalles Machado S/A, localizadas em Goianésia (GO). A empresa entende que por meio dessas medidas é possível realizar um trabalho sustentável, evitando desperdícios sem comprometer o rendimento industrial ou a produtividade.
Desenvolvido pelo Departamento Agrícola, o Programa de Práticas de Uso Racional do Solo visa colocar na prática metodologias e técnicas de conservação de solo para que os recursos hídricos não sofram as consequências do manejo inadequado, propondo, principalmente, o controle da erosão. São previstas atividades de manejo e conservação de solo para evitar o assoreamento dos corpos d’água nas áreas de plantio de cana-de-açúcar.
Já o Programa de Uso Racional da Água no Ambiente Industrial tem suas atividades baseadas na utilização racional da água no ambiente industrial e o máximo reaproveitamento da água dentro do processo de produção do açúcar e do etanol por meio de circuitos fechados. No circuito de reutilização no processo de fabricação do etanol, a água é armazenada em um tanque de resfriamento à temperatura de aproximadamente 30°C e bombeada para torres onde estão os condensadores de etanol, cuja função é transformar o etanol em estado de vapor para estado líquido através de um sistema de tubulações no qual a água passa num fluxo rápido, resfriando tubulações paralelas que contêm etanol em vapor.
A água retorna para os tanques de resfriamento a uma temperatura de aproximadamente 40°C e, ainda com a pressão exercida pelo bombeamento, é expelida em jatos de água em forma de spray para que, dessa forma, percam calor para o ambiente e, novamente, possam ser armazenadas no tanque de resfriamento a uma temperatura de, aproximadamente 30°C. Nesse sistema de circuito fechado a única água utilizada diretamente do manancial é a reposição por conta das pequenas perdas ocorridas por evaporação.
Já no processo de reutilização de água no processo de lavagem de gases da caldeira, a água é armazenada em um tanque denominado “Tanque de Alimentação” e bombeada para dois tanques Scrubbers, onde ocorre o processo de lavagem dos gases provenientes da caldeira. Essa água proveniente da lavagem é encaminhada para outros tanques chamados de “tanques-pulmões,” onde a água passa por um processo de peneiramento retirando fuligem, cinzas e areia, que posteriormente serão incorporadas ao solo novamente. Depois disso a água segue para um tanque de decantação, purificando-a novamente e recomeçando o circuito.
O Programa de Uso Racional da Água no Ambiente Agrícola da Jalles Machado busca organizar as ações que envolvam os corpos hídricos como barramentos, projetos de irrigação e também no monitoramento da qualidade das águas desses corpos hídricos. Na situação de monitoramento de águas superficiais, a usina realiza periodicamente análises físico-químicas dos corpos hídricos distribuídos nas áreas de cultura agrícola a fim de acompanhar a qualidade das mesmas. Na construção de represas para regularização de vazão de cursos de água, tecnicamente as barragens trazem efeitos positivos tanto para o setor agrícola quanto para o meio ambiente. Em termos de produção agrícola, a produtividade tende a aumentar por conta da disponibilidade de água no solo nos períodos de estiagem.
Com a fertirrigação, a Jalles Machado faz a diluição da vinhaça na proporção de 1:4, ou seja, uma parte de água para três partes de vinhaça, representando uma economia significativa de no uso da água. Esses programas demonstram que a empresa atua na conservação em todas as fases com ciclo hidrológico, desde proteção e recuperação de nascentes e cursos d’água, utilização racional dos recursos hídricos (reutilização/fertirrigação) e controle de emissões atmosféricas (lavadores Scrubber), além de tratamento de efluentes.
FONTE: Canal – Jornal da Bioenergia.